Fazer mais, melhor e por menos

15 de dezembro de 2017

Por Ismael Pfeifer

Uma combinação entre a permanente revolução midiática e a crise econômica no país impulsionou o segmento de agências de comunicação corporativa ou relações públicas a escalar um novo patamar de atuação. As demandas do mercado por tecnologia de ponta – tanto para o monitoramento da rede quanto para a produção de conteúdo multiplataforma – e por resultados rápidos edificaram uma nova equação funcional para a atividade: tem de fazer mais, de forma mais complexa, eficaz e por menos.

O sócio e fundador da maior empresa de comunicação do país nos últimos sete anos, a FSB, Francisco Soares Brandão, que pôs o pé no setor em 1980, diz que é preciso tirar lições das crises para sair mais forte delas. “Enfrentamos hiperinflação, depois os problemas com o Collor, a desvalorização do real e outras. Sempre superamos a crise com inovação e mais trabalho. É preciso conviver com ela e saber aproveitar-se de determinadas situações”. Segundo ele, a empresa nunca viveu tanta inadimplência, “mas ao mesmo tempo a gente nunca teve uma equipe tão forte”, afirma, referindo-se à reorganização da estrutura em 2016, que substituiu o modelo de comandos regionais do grupo (Rio, São Paulo e Brasília) por quatro direções verticais econômicas – corporativa; serviços e finanças; consumo e varejo; e governo além de reforçar as equipes com profissionais experientes em todas as áreas. Outro problema central nos últimos três anos foi o corte no orçamento das empresas com comunicação. Neste ano, a maior parte das grandes agências vai perder faturamento. A própria FSB prevê queda ao redor de 10% em relação aos R$ 247 milhões de 2016, segundo o ranking Mega Brasil.

O cenário econômico e tecnológico provocou também uma reformulação acelerada no perfil humano de muitas agências. “De todos os setores da economia, o de relações públicas foi o que sofreu a transformação mais completa com a nova comunicação, e o perfil dos colaboradores refletiu isso”, diz Kiki Moretti, diretora-presidente do Grupo In Press, que tem entre as agências a In Press Porter Novelli e a FleishmanHillard, terceira no ranking em 2016, com R$ 128,5 milhões de faturamento.

Segundo Kiki, suas empresas passaram a agregar profissionais de áreas que antes não participavam do negócio, como especialistas em planejamento estratégico, programadores, designers e publicitários. “A própria crise nos obrigou a fazer mais com menos, e tivemos de avançar rápido na comunicação digital e na tecnologia dos serviços, porque se radicalizou a exigência das empresas-clientes por eficácia, principalmente nos dois últimos anos”.

Outra entre as dez mais, a Weber Schandwick, agência do grupo Interpublic, que em 2011 comprou a S2/Publicom, também intensificou a composição multidisciplinar da equipe de profissionais, até há dez anos composta por jornalistas. “Nosso setor se tornou estratégico para as empresas pela capacidade de inovar para atender às novas demandas. No início éramos só ‘fazedores’ e hoje somos ‘pensadores’ de soluções de comunicação para os clientes. Tivemos de agregar novos tipos de profissional a nossos quadros”, observa José Luiz Schiavoni, fundador da S2 e CEO da Weber, que emprega hoje colaboradores formados em moda, matemática, ciências sociais e administração de empresas.

Como exemplo de trabalhos da equipe multidisciplinar, Schiavoni cita a ação para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. “Precisavam de solução rápida: os voluntários que viriam de várias regiões do Brasil e de outros países não tinham onde ficar ou estavam receosos sobre a segurança das acomodações oferecidas no Rio”. A equipe criou o site Meu lugar no Rio. “Havia oferta, mas Brandão. sem garantia. Criamos então uma espécie de Airbnb dos Jogos, só com gente cadastrada, para gerar confiança superamos entre as duas partes. Fizemos tudo em curto prazo, desde a crise com a tecnologia do site, e resolvemos o problema”.

Para a sócia-diretora da Analítica Comunicação, Erica Benute, as empresas compreenderam que as agências de relações públicas são estratégicas para o negócio, não mais meras executoras de tarefas predeterminadas. “Sem nenhum demérito aos profissionais ‘internalizados’ nas corporações – diretores ou gerentes de relações institucionais e comunicação interna e externa, que têm a grande responsabilidade de escolher fornecedores e responder pelos resultados -, o que as empresas perceberam é que a velocidade da transformação da comunicação é maior que sua capacidade de manter as estruturas de comunicação devidamente atualizadas, por serem ‘área-meio’ e não ‘área-fim*. Nas agências de comunicação corporativa, os serviços são o core business da atuação”.

Segundo Erica, ao contratar uma agência, a empresa agrega o benefício de contar com profissionais de perfis variados, especializados em sua área, além de ferramentas tecnológicas atualizadas. “E a um custo relativamente menor do que se mantivessem estruturas internas similares”, completa Luis Henrique Amaral, que divide com Erica o comando da agência, uma das 25 maiores do mercado nacional.

Entre as agências de comunicação segmentada, o perfil médio dos profissionais tem se alterado. Como na Brunswick, agência internacional que se instalou no Brasil há cinco anos sob concepção multidisciplinar de trabalho. A agência é forte em consultoria de gestão de crises, reestruturação de empresas, fusões e aquisições. “Até há pouco tempo, quando as redes sociais não eram tão poderosas, a reestruturação das companhias era comunicada basicamente aos investidores. Hoje, é preciso informar e conversar com todos os públicos consumidor, comunidades vizinhas às fábricas etc. É nossa função abrir os olhos do cliente para os riscos de desagradar parcelas da população e manchar a reputação da marca”, afirma Tereza Kaneta, sócia-diretora do escritório da Brunswick, com base em São Paulo.

A Ideal H+K, derivada da agência de mesmo nome criada há apenas dez anos, é um case de sucesso no setor. Nasceu junto com a chegada dos smartphones ao Brasil, momento divisor de águas que levou a informação digital para o bolso das pessoas. Mas um dos fundadores faz ressalvas sobre a nova comunicação e defende o jornalismo como núcleo da informação mais confiável.

“O ‘novo’ é muito importante, mas não é tudo. Acredito que boa parte de nosso êxito vem cd fato de termos um pé no tradicional, naquilo que está estabelecido, e outro no ‘novo”‘, afirma Ricardo César, co-CEO da Ideal H+K. Sua equipe agregou designers e publicitários nos últimos tempos, mas a maior parte do quadro de profissionais da agência é composta por jornalistas. E ele não pensa em mudar o perfil.

César calcula que a Ideal, quinta do ranking nacional da comunicação corporativa em 2016, com faturamento bruto de R$ 61 milhões, tem 50% da produção de conteúdo destinada à mídia considerada jornalística. “É uma participação expressiva e sempre será. As empresas jornalísticas estão redescobrindo o modelo de negócios. Diminuiu o papel, mas a atividade continuará em outros suportes, como no próprio celular. Nenhuma sociedade pode prescindir da imprensa, que tem como core o conteúdo isento, construtivo e crível.”

Fora do eixo Rio-São Paulo, a Happy-House de Porto Alegre está entre as raras agências que informam não ter sentido a crise, em boa medida por ser voltada ao endomarketing-comunicação para o público interno das empresas – desde a fundação, em 2000. “No início, ninguém queria trabalhar comigo, o endomarketing era pouco conhecido”, diz a presidente e fundadora da empresa, Analisa Brum. Ela criou a agência para atender à área de recursos humanos das empresas, que precisavam informar os funcionários, mas não dominavam a comunicação. “Procurei profissionalizar isso, oferecer um marketing de relacionamento interno com a qualidade da boa publicidade e obter engajamento”.

Segundo ela, embora os sistemas digitais tenham invadido a comunicação interna em e-mail marketing, vídeos e aplicativos dedicados-, o papel e outros materiais gráficos, como revistas e mídia indoor, se mantêm fortes. Apesar de estar fora do eixo Rio-SP, apenas três dos 24 clientes da agência são gaúchos. A agência mantém 75 colaboradores fixos e deve ampliar o faturamento neste ano, embora os números não sejam revelados.

A mineira BH Press, de Belo Horizonte, que tem 70% da receita em comunicação interna, informa que intensificou o uso de tecnologia para conectar as empresas clientes aos colaboradores. “Ampliamos muito o uso da comunicação via smartphones nos últimos três ou quatro anos, além de plataformas digitais como a intranet, mas a revista impressa ainda funciona em muitas corporações, principalmente como espaço para análise”, diz a sócia-fundadora Dulcemar Costa.

A BH Press nasceu quando a internet dava os primeiros passos no Brasil, em 1995. “Começamos usando o fax, passamos pelo e-mail – que continua muito popular em nosso trabalho – e agora utilizamos plataformas de compartilhamento de conteúdo (como Google Docs) e WhatsApp no relacionamento com os clientes, tanto nas iniciativas de comunicação interna, como no trabalho de assessoria de imprensa ou na produção dos relatórios de sustentabilidade para públicos diversos”, afirma Dulcemar. A empresa, focada em indústrias de base, como mineração, tem sofrido com a crise econômica dos últimos anos. O recuo na receita no período é da ordem de 10% ao ano. com expectativa de melhoria para 2018.

“Mudaram as ferramentas e os meios se multiplicaram, mas a maneira de fazer comunicação eficaz nunca mudou”, diz Moniquc Melo, sócia e fundadora da baiana Texto & Cia de Salvador. A agência nasceu em 1995, quando o papel imperava como suporte tanto na relação com a imprensa como nos chamados house organs. Para ela, “há mais de dez anos temos áreas destinadas à mídia digital. Mas, como sempre trabalhamos a comunicação estrategicamente em favor da reputação dos clientes em buscada melhor linguagem para conversar com o mercado, foi fácil a adaptação e a utilização dos novos recursos”. A agência mantém 25 clientes na Bahia e em Sergipe, possui 20 funcionários e depois de anos difíceis com a crise, prevê crescimento na casa dos 15% em 2017.

A Azul Publicidade, de São Paulo, dedicada à comunicação interna e campanhas institucionais, volta-se cada vez mais ao desenvolvimento de redes sociais internas entre as empresas-clientes e colaboradores. “A intranet está sendo trocada pelo workplace, que facilita o acesso do colaborador pelo celular”, diz o sócio-diretor Flavio Xavier. Ele conta que quando a empresa surgiu, no início dos anos 1990, fazia layout na mão. “Logo em seguida começamos a usar computador, e chegou a internet. Mas a grande ruptura foi a chegada do tablet e dos smartphones de tela grande. Até então, atuávamos no setor gráfico, com cartazes e peças físicas. Percebi que nosso negócio estava em risco com a comunicação no bolso. Foi então que demos um grande salto. Passamos a vender conhecimento, estratégia e criação”. Essa reformulação tem sustentado o faturamento. Cresceu quase 50% em 2015,15% em 2016 e, neste ano, apesar dos problemas da economia, prevê incremento entre 5% e 7%.

Outro caso de sucesso de relações públicas é o da maior agência do Norte do país. A Temple Comunicação de Belém (PA), que atende gigantes da mineração, logística e energia, tem como principal especialidade a comunicação com as comunidades do entorno das instalações industriais. Ainda que tenha incorporado novas tecnologias e profissionais ao processo produtivo, lança mão de meios à primeira vista rudimentares para alcançar públicos isolados no meio da floresta. Cleide Pinheiro, sócia-diretora, diz que a região que compreende o Pará e outros Estados é “enorme e complexa”. “As comunidades com as quais precisamos conversar estão distantes e pulverizadas pela Amazônia, e em muitas o sinal de internet não chega, o analfabetismo é alto e temos de usar estratégias que a tecnologia não alcança”.

Cleide cita o caso de uma campanha que durou vários anos, durante a implantação de uma usina da Alcoa em Juruti (próxima de Santarém). Havia cerca de 50 comunidades espalhadas pelo município com as quais a empresa precisava comunicar-se, mas muita gente não sabia ler e não havia estação de rádio nas proximidades. A solução encontrada foi fazer programas gravados e levar um serviço de alto-falante em eventos específicos para cada distrito. “Além disso, equipes de campo faziam também sessões de leitura da revista para quem não sabia ler, tudo com ótimo resultado”.